terça-feira, abril 12, 2016

Reencontro

Foi ali, naquela vertente da serra a rasar a água, que criaram o seu ninho.
A mesa do canto, com vista para o rio, presenciou, em silêncio, o amor deles crescer.
O primeiro a chegar trazia uma pedra que colocava no parapeito.
O outro levava-a.
Desenharam sonhos na ardósia negra dos seus dias. Elaboraram conquistas de mundos que não os seus.
Até que a chuva caiu mais forte e apagou todos os escritos.
Nesse dia fora ele o primeiro a chegar, mas em vez da presença dela, uma nota breve, despida de calor: “Esquece-me. Esquece tudo o que se passou entre nós”
Ela poderia ter adicionado “Já nada me dizes”, mas não acredita que seja preciso a mentira para que a vida se faça à estrada.

Há desígnios que se nos escapam à compreensão; nem nos damos ao trabalho de perceber porquê.

Uma vida depois — nunca até ali tinha ultrapassado fronteiras —, decide que é a altura certa para o fazer. O vento de verão incita-o a percorrer a costa até Marselha. Evita o reboliço citadino e acosta-se numa pequena vila piscatória.
Sente-se renovar enquanto caminha, a passo leve, pela calçada enrugada de séculos.
Pousou um olhar descuidado numa vitrine que anuncia uma exposição artística.
O som que ouve convida-o a entrar.

When she comes to greet me
She is mercy at my feet
And I, I see her inner charm
She just throws it back at me


Há fantasmas que insistem em regressar.
Ali, à sua frente, renasce aquele rosto de tantas águas passadas.
Ela encara-o com muito menos espanto.
Ocorreu-lhe exigir dela uma resposta, mas depressa se calou quando viu o colar que ela trazia ao pescoço: a pedra alva, que julgava ter sido abandonada, pende, segura, no peito dela.



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