segunda-feira, setembro 27, 2004

Ela desafiou...

... ao qual eu retorqui!

Um excelente exercício merecedor de uma/s repetição/ões.
Vale a pena ler as demais ramificações que surgiram.

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Tudo

por Riacho



“Tudo?!”, repetes tu, enfatizando no olhar essa enorme admiração, ao mesmo tempo que tentas desenvencilhar-te do meu toque; consegues fazê-lo de um modo delicado, no entanto firme.
Como que este elo surtisse em ti uma poderosa influência que desejas eliminar.
Após um longo suspiro, com os olhos voltados para as tuas mãos, ali pousadas na mesa, desamparadas, sós, balbucias as palavras como que se falasses contigo própria:
“Já está tudo contado… tudo àcerca de mim”, enfrentas o meu olhar e continuas “ cada história que te contei, continha pedaços de mim, simulados, sempre em segundo plano, de modo a não atrair demasiado…”
Olhas em volta, temendo que mais alguém te possa ter escutado revelar algo que te é tão precioso.
Abraço-te num sorriso condescendente, que é ao mesmo tempo indicador do profundo efeito que a tua beleza me provoca.
Pensando bem, não és extremamente atraente.
Não és daquele tipo de mulher capaz de fazer os homens girarem sobre si mesmos ao ver-te passar.
Contudo, existe algo em ti… sim!
Acho que é esse olhar. Um olhar que acolhe.
Uma beleza em segundo plano, como tu própria te defines.
É isso.
Tens algo que cativa o segundo olhar (aquele que perscruta o que está para lá) e nos faz permanecer assim, como que embalados por essa beleza serena.
“Não compreendo essa tua inclinação de te ficares pela sombra”, consigo finalmente pronunciar umas palavras, saindo do transe em que me envolvi e penso “nem tu imaginas o lugar de destaque que ocupas na minha vida, nem nunca me atreverei a dizer-to".

“Já me devias conhecer melhor”, replicas tu com um sorriso matreiro, desafiador “quantos já são?… cinco anos?”
Aceno afirmativamente com a cabeça e mergulho de novo em pensamentos.
Quero que me sigas neste trajecto interno.
Necessito que leias nas linhas do meu rosto os contornos da minha reflexão.
Cinco anos volvidos, depois que nos cruzamos pela primeira vez em palavras, por um daqueles acasos intitulados de “meros”.
Cinco anos depois de múltiplas permutas escritas - conheço tão bem o teu modo de esplanar os sentimentos, que seria capaz de discernir um dos teus escritos no meio de uns cem.
E cá estamos, frente a frente, pela primeira vez. Cada um de nós reflectido nos olhos do outro.
Não sei como pude aceder a este encontro. Nunca quis materializar a nossa já bastante estreita afinidade, com o receio que caíssemos numa relação fútil. Um medo infantil, por certo, de que a realidade não correspondesse a esta imagem de nós que foi escalando vertiginosamente estes anos todos.

Abanas o rosto negativamente, como que a responder a este meu último pensamento e de novo aquele sorriso de menina:
“Anda! Vamos sair daqui”, convidas-me naquele teu modo impulsivo, “este lugar é demasiado pequeno para escutar as histórias que nos vamos contar”.
“Agora és tu que me desafias”, penso eu, e deixo-me levar por essa tua jovialidade inocente de menina perdida no tempo, sem idade.

Pagamos o jantar, ligeiramente tocado, aliás, tão absorvidos estavamos na conversa, e saímos lado a lado.
Enquanto esperavamos que o trânsito nos oferecesse uma abertura para atravessarmos, descaio o meu olhar na tua mão esquerda, ali mesmo ao meu lado e, sem saber como, dou comigo a entrelaçar os meus nos teus dedos, muito lentamente, a medo.
Procuro uma âncora nos teus dedos.
Dedos que tanta vez já me ampararam à distância, em cada texto teu que li.
Desta vez não opões resistência ao toque.
Levantas ligeiramente a face, olhas-me, um carro buzina frenéticamente avisando que estamos no seu território, distrai-nos, quebra por segundos o fio que ali se formou…

“Merda!”, acordo sobressaltado, “vou chegar atrasado.”
Olho o relógio, apreensivo.
“Ainda estou a tempo de a ver, mas… será que devo ir?”
Não peso os prós nem os contras.
Levanto-me num ápice e, sem me dar conta, lanço pelo chão da sala aquelas folhas de papel.
Cada uma delas contém histórias tecidas pelos teus dedos.
Lanço mão a um casaco, atiro-o sobre os ombros e saio de casa.


(escrito a 17 de Setembro, 2004)

6 comentários:

PO disse...

Parabéns! Gostei muito.

Beijo grande

Anónimo disse...

Bravo!

Bina

inconformada disse...

Linda menina :-)
Obrigada por tudo: pelas palavras bonitas, pelo talento e pela amizade.
Beijo enorme (daqueles que atravessam oceanos)

Aq disse...

Muiiiito curiosa a tua resposta ao desafio (5 anos, porra!... levaram mais tempo que nós, eheh...) Muito ao geito do começo da Inconformada. Respeitas-te o estilo. Foi o primeiro que li, claro está. Temos escritoras. Reparaste que afinal o desafio, tinha prémio? A continuação da Inconformada, pois. Por falar em prémio, amanhã tens uma prenda. Beijinho grande.
PS - O pássaro divino é o Yardbird.

riacho disse...

Ah!... pois! O Yard.
Agora reparo que ele acabou por não escrever (fica para a próxima).

eh eh eh... mas muuuito mais tempo, é claro . E nem tu imaginas a sequência que eu já antevejo para o fulano com o casaco ao ombro. A ilógica galga tereno! (ai como estou)

Bem... uma palavra de atenção para cada um de vós que aqui teve a pachorra de me ler: Um muito obrigada!

Aq disse...

Obrigada, nós, querida. O gajo com o casaco ao ombro tem sequência? Ui!... tou cá para ler. Ansiosamente, eheh...