Foi naquele sábado que me decidi a ir. Já me andava a prometer aquele encontro há bastante tempo, e numa inesperada onda de euforia, qual adolescente antecipando o seu primeiro encontro, larguei mão de todas as tarefas a cumprir - umas 2, 3 horas, não fariam diferença, pensei.
A verdade é que já o namorava, à distância, há uma data de tempo. Fiquei-me por uma eternidade, naquela relação platónica, a do olhar, a do voltear a cabeça e pensar "quando...?".
Aquelas horas que se iriam seguir, seriam só minhas e dele; de mais ninguém.
Foi um dos primeiros a ser construído, aí por volta de 1949, na cidade do pós-guerra, com aquele glamour ainda visível nas fotografias espalhadas um pouco pelas paredes. Ainda conserva, e ainda bem, bastante da sua originalidade, não se aliando aos avanços da tecnologia: nada de cartões de crédito ou de débito, só a pronto pagamento.
Estaciona-se na rua, onda calha, sem direito a um actual costumeiro mega-estacionamento, práticos, sem dúvida, mas enfadonhos, monótonos até dizer chega, como quem estaciona o gado para a matança.
O cheiro a mofo, a antigo, impera no local e para o toque final assim que assentamos o olhar no todo da sala, deparamos com aquela portentosa cortina vermelha (sim, de tecido e não plástico!).
Só as pipocas me desiludiram.
Não que estivessem rançosas ou fossem moles, simplesmente porque nem deveriam de lá existir. Nunca compreendi como é possível alguém gostar de assistir a uma sessão e metralhar os dentes ao mesmo tempo créc, créc, créc, créc!
É como fazer amor e crochet ao mesmo tempo; nem se aprecia um, nem o outro, em todo o seu esplendor.
"The Ballad of Jack and Rose" foi o escolhido.
Era o último dia de exibição, de modo que me presenteou com um bom número de cadeiras vagas à escolha, e por conseguinte, muito poucos disparos pipoqueiros.
Foi muito bom rever Day Lewis. Mais maduro que naquela época, mas a sua postura muito própria, continua a crescer pela positiva.
Ele é, para mim, sinónimo de uma viagem de comboio, dum encontro à entrada num qualquer cinema do Porto, de Kundera, do entrelaçar de mãos, da pele morena sob o vestido de aldogão amarelo, do cheiro a maresia com o conversar sobre o filme entrecortado de beijos dados sem promessa alguma...
Daqui a uns idênticos 17 anos, os mesmos que me distanciam desse Lewis, serão outras as lembranças, muito diferentes, é certo, nas quais predomino eu como personagem principal. Acho sempre triste sair do cinema sem ter com quem trocar impressões vivas do momento ainda quente, mas foi uma experiência fantástica ter ficado na incógnita, e invisível ao mundo que me rodeou enquanto o filme rodou.
Há que repetir a façanha e de preferência no horário nobre: o da noite.
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