terça-feira, junho 21, 2005

Pedido bizarro



Era uma sala cheia de gente, que poderia ser um café, uma classe, uma festa, um amontoado de sons. Ouve-se um toque, repete-se, remexem-se mil bolsos e, mesmo sabendo que não era o seu, todos o abrem e encostam ao ouvido. De volta ao bolso com um ar desiludido, aquelas mil caixas de fósforos.
Há um braço que se estica no ar, um rosto que se assemelha ao da minha mãe e me diz "É a tua mãe".
Fico confusa.
"Sim?"
Afinal a ligação era uma tele-conferência(*) a três menos um, pois a voz da minha mãe nunca a cheguei a ouvir. Só a dele. Tão nítida como nunca a tinha ouvido sob tal estado. "Escuta", ou teria sido "Ouve", não importa agora; o pedido sim, esse é que me deixou ainda mais perplexa. "Quero que me pintes um biombo", pasmada, cada vez mais pasmada, "pintado como aquele quarto..." (qual quarto, penso agora eu?), "sim, aquele de que já falamos".
E eu que sim, que me lembrava perfeitamente.
Naquele instante a memória é mais elástica que nunca, lembra-se de todo o pormenor, passado ou futuro.
Aponto medidas, esboço traçejados e nisto sinto a voz que se vai.
Chamo por ele mesmo sabendo que já não me ouve, mas estranhamente, o nome que sai não é o dele. É o do irmão.
Regressa o barulho que até então se tinha espantosamente esfumado. Olhos que se apontam para mim.

Sobressaltada, vejo a custo as horas, quase oito, estou atrasada. Os pés de chumbo arrastam-me os ossos doridos e músculos fatigados.
É sempre assim que me sinto após uma noite fértil.


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(*) palavra inventada por necessidade fantasiosa.

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