São frágeis certas pontes que nos sustentam o peso da travessia pelos emaranhados da vida.
E brutalmente belas.
Voltou a acontecer. Página 3 do diário que leio esta manhã.
Mais uma dessas facadas vindas do absurdo e que aterram no lugar menos esperado. Desta vez foi numa localidade na província de Alberta - Medicine Hat -, local tranquilo, como já vem sendo habitual quando a morte assim (n)os toca. O foco, de igual modo inesperado; uma jovem família brutalmente assassinada, pais e filho de 8. Motivo desconhecido.
Segundo o jornal, os autores do crime foram presos "sem algum incidente": uma jovem de 12 anos e um de 23.
O que me choca, para além das condições do sucedido, é ver o prazer, quase mórbido, dos media em tentar arranjar sempre um scape·goat para este tipo de acontecimento.
Já o foram os "pretos", em inúmeras ocasiões. Cada vez menos ultimamente porque à xenofobia, convem-lhe encontrar matéria nova onde vomitar e consequentemente se alimentar; desviar o seu centro de atenções para que continue a ter seguidores, como agora e em particular neste caso: os góticos, os que têm blogs depressivos, os que gostam de ouvir música death metal, hardcore e punk.
Eu insero-me em quase todas as categorias acima descritas. Isso faz de mim uma assassina em potência? Não. E por esse desenrolar de pensamento, fará com que eu seja um modelo "exemplar" nesta sociedade em que vivo? Também não.
Porque eu sei que eu também posso vir a matar. Porque sou um animal predador.
Longe vão os tempos das cavernas. Já não necessitamos de lutar, nem de matar para sobreviver ou nos protegermos - e talvez seja este o cerne da questão -, mas a informação continua marcada em nós. esquecemo-nos disso de uma forma permanente. Encontro que esta passividade dos tempos que correm, é que vem dar à luz a estas deviações que acontecem e que parecem vir do nada. São explicáveis, sim. Só que a verdadeira razão de existirem é que não convém que saia à luz do dia e ao conhecimento em geral.
Fonte - The Ottawa Citizen
Adenda: Soube-se no dia seguinte que a jovem, após tal acto, ficou orfã de pai e mãe.
A internet e as vantagens de se pescar o impensável, trouxeram-me há pouco tempo:
A minha segunda escola.
Desde 1976, ano em que lá dei os meus primeiros passos a medo - um mundo que se alargou do dia para a noite, onde os véus negros foram substituídos por vestes comuns - até 1984, ano em que lhe disse adeus e o medo agora já era outro. Esse piso tornara-se o seguro e as lágrimas já eram então de saudade.
Os colegas de turma marcam, e as lembranças dessas amizades ficam sempre connosco a servir de apoio, mas os professores, de uma maneira especial, deixam sulcos para a vida.
Havia o Leite, de quem ainda hoje leio do meu caderno alguns aforismos expelidos em boa hora e em exclusivo:
"Pense com o pensamento dos seus avós e encontrará a razão do seu ser."
29 Nov. 83
"A gente confunde a bengala com o Barbosa".
29 Nov. 83
"O Rego dá História mas não se situa".
"O peido é sempre um facto construído".
Havia o Barbosa, amigo e matemático tanto no ser como no agir; "Oh Barbosa... 'tás nervosa?" a ouvir-se através da janela numa sala do rés-do-chão e a fuga rápida do comediante; assim como o Bessa dos poemas e colagem fotográfica por terras de África e claro, como poderia esquecer o trapalhão do Rego - o tal de História - e o seu "... e o rei... ASSASSINOU-SE!". Delírio total na sala perante tal chacina e um olhar espantado e ignaro do professor.
A Carrilho, o Mafalda, o Cunha, e tantos outros que nos fizeram as delícias de uma adolescência espremida a morno, sem as correrias de agora. As horas preenchiam-nos. Enquanto que neste presente preenche-se exageradamente as horas com supostas instruções.
Não estou, nem reconheço ninguém na fotografia mas lembro-me perfeitamente daquela rampa e das sebes que a ladeavam. Alguém que aqui venha e se veja ali?
:-)