quinta-feira, março 16, 2006

Gato por lebre




Uma infância salpicada de personagens caricatos, diferentes da norma; aqueles que ressaltam com cor de arco-íris numa foto a preto e branco. Sim, esses os chamados loucos. Os maluquinhos da aldeia. Aqueles de quem se fugia sem olhar para trás depois de uma pedrada ou de um ou outro dizer mais apimentado. E depois era o espreitar só com um olho na esquina ou por detrás de algum arbusto mais protector a mirar-lhe a face irada - por vezes muito, outras nem tanto.
Havia a «Quininha» que trajava sempre a preceito os modelos mais estravagantes que os nossos tenros olhos jamais tinham visto. Havia também o «Tónio-Tolo» que, por sinal, sinal de nascença, era sobrinho da anterior - quanto a mim o mais «perigoso» de todos. Vi-o um dia esbaforido pela rua fora com uma catana na mão (se fosse hoje teria visto uma faca) cortejando um vizinho. E dizem que trazia as suas poupanças dependuradas por um fio dentro de um saco atado aos seus genitais. Dizem, que eu nunca vi.
Havia mais uns quantos que na minha memória se embaciaram.
Há no entanto um que perdura. O «SeManel-dos-Gatos».
De vulgo-louco, como as gentes gostam de apelidar, nada tinha. Era um duende saído de uma história de encantar. Pequeno, pernas arcadas, escuro de tez e vestimentas escuras e sujas. Andava sempre com um saco atirado para trás das costas como quem vai à feira. Mas dizem que não era bem à feira que ele ía vender o conteúdo do saco, e sim lá para o Porto. Não me recordo agora se algum miau eu alguma vez presenciei na sua passagem, mas consta-se que vivia rodeado de felinos vadios revertidos a amigos. Vezes sem conta, entrava sorrateiro na loja dos meus avós, já noite adentro, fora de horas - se bem que a hora de fechar a loja fosse minutos antes da deita - e eu, ainda mais pequena que ele, lá o fitava a custo, sem lhe ter medo algum, do lado oposto do balcão e ouvia-o pedir o costume de todas as noites, Eram umas belinhas, SeJacinto.
Nunca aquele homem se deve ter apercebido da imensa luz que trazia naquele olhar pisqueiro e no seu sorriso genuíno desdentado. Olhar esse que ainda hoje se propaga na mente de certa criança.

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