Inflexão
terça-feira, abril 26, 2016
10ª
Olá,
Sim. Um cumprimento seco, deste modo, a homenagear a minha profunda falta de hipocrisia.
Decidi escrever-te esta — Última! — carta.
Mas não te iludas: não o faço por ti, mas sim por mim, porque só a mim o devo.
Como que um formalizar do fecho desta nossa relação que sempre teve dois pesos e duas medidas, e que, sem qualquer disputa, te teve a ti como beneficiário exclusivo.
Tal como na entrega, em que fui íntegra, total e cabal, também o serei no afastamento.
E o que se segue é a prova irrefutável desta minha nova odisseia:
Exato. Um límpido vazio a espelhar o que significas, agora, para mim.
Até nunca,
Isolda
domingo, abril 24, 2016
Sem P's
Nem tu comigo.
Nunca o soubemos.
No entanto, estamos bem cientes disso, e é nessa sabedoria que reside a nossa força.
Foi nessa incerteza abissal que o nosso amor nasceu. E cresceu.
Fortaleceu-se com uns abalos intermitentes de vida enquanto entrelaçávamos raízes - foi nos lances mais obscuros que nos soubemos melhor amar.
Nunca fizemos juras de amor — em abono da verdade, nunca verbalizei essa sentença “amo-te”, nem tu necessitaste de me conjugar o verbo amar.
Fizemos um acordo, inconsciente, em nunca nos declararmos um ao outro.
Ao enunciarmos o nosso amor verbalmente, seria restringirmos esse sentimento a um vocábulo, e tanto tu quanto eu, crescemos um no outro sem vínculos.
Ao longo destes nossos anos, tenho sentido o teu amor tocar-me das mais variadas formas.
O som do teu caminhar no soalho da casa silenciosa quando chegas; o teu cheiro, que me inunda as narinas e baila desenfreado com o meu, entre o intervalo físico que medeia as nossas figuras num anteceder de deleite; os teus dedos quando se entrelaçam nos meus ao antevermos um adeus; o teu olhar codificado que só eu sei ler...
Hoje, ao me leres é sinal que já não estou cá.
Não mais te conseguirei tocar o amor como o temos feito.
A morte foi amiga e levou-me antes de ti — a fraqueza que me assiste na tristeza, não a saberia aguentar.
Na falta do meu toque, ficam todas as memórias, como marcas digitais do amor que jamais deixou de existir entre nós.
Etéreo.
sexta-feira, abril 15, 2016
Não
Não é de todo impensável, ao longo desse percurso, encontrarmos parasitas que nos tentem impingir sonhos à troca de algumas patacas — porque a árvore destas parece sempre florir mais vistosa do outro lado da cerca.
Não podemos permitir que nos avaliem como gado que se marca a ferro quente, nem nos subjugarmos à ética retorcida desses grandes latifundiários.
Não nos devemos moldar à necessidade dos outros esquecendo-nos de nós mesmos, dobrando-nos aos interesses alheios por uma fugaz e utópica felicidade.
Não nos faltarão “nãos” pela vida fora, inúmeros e incontáveis “nãos” pegados de cernelha, que nos ensanguentam a alma, mas não nos derrubam, nem arrastam pelo pó dos dias, pois quem enfrenta tantas negativas torna-se imune ao seu poder destrutivo.
terça-feira, abril 12, 2016
Pois foi
A secura dos seus dias arrastava-a, vagarosa, pelas colinas da sua vida. Os grilhões multiplicavam o seu peso, desmesuradamente, em cada monotonia sentida. Já não subia, nem descia. Não avançava. O peso dos dias enterrava-a em mil nadas. E esse sufoco de enfrentar tais vazios, paralisara-lhe a mente.
Deixou-se levar ao sabor de uma vida sem vento. Insossa. Insípida.
É certo que não havia tempestades, nem intempéries que provocassem o caos. Mas sem o caos não se sentia renovada; reconstruída.
Faltava-lhe o sal trazido pelas gotas do vento.
Esse vento que outrora lhe fustigava o rosto, e a mantinha desperta.
Esse vento que exigia dela sempre mais do que ela própria sabia poder dar.
Foi neste crescendo de penúria que a altura certa chegou.
Bateu-lhe, ao de leve, nas costas. Olhou à direita, nada. À esquerda, igualmente vazio.
Continuava a sentir aquele toque insistente que a desafia à descoberta, mas a visão é limitada e nada apura.
Lembra-se então das amarras que a mantinham tolhida — após tanto tempo escrava delas, já as sentia como fazendo parte de si.
De resolução afiada, e em punho, amputa as correntes do seu desassossego.
Gira em torno de si mesma e dá de caras com o vento, de olhos impacientes, e corpo agitado. De vozeirão descarado, provoca-a “VAMOS À VIDA!”
“O destino, isso a que damos o nome de destino, como todas as coisas deste mundo, não conhece a linha recta.”
Virado de costas para a sala, o professor Leite provoca os alunos à reflexão.
“Setor! Eu!”, Zé Valente levanta a mão. Frenético.
“Vá, ilumine-nos!”, o professor antevê o cenário em que se vai transformar a sala de aulas.
“Pois então… tá-se mesmo a ver. Cá p’ra mim, o man compara o destino ao corpo das mulheres: cheiinho de curvas!”, continua matreiro “Um gajo só se perde nesses caminhos!”
É a chalaça instalada.
Outra mão no ar.
“Sim, Armanda. Faça o obséquio. Tire-nos deste torpor inebriante. Leve-nos consigo para outra dimensão desta problemática.”
Por entre risadas que vão diminuindo de intensidade, Armanda, desenvolve, “. . . como se está a ver, o autor dá-nos indícios que o destino não é um percurso que esteja previamente traçado, de princípio e fim perfeitamente visíveis. Pelo meio há cortes de estrada, há desvios forçados a acontecer, há quedas de altitude, há subidas vertiginosas. Há toda uma panóplia de adversidades.
[Ouve-se o toque irritante duma campainha que anuncia o fim da aula]
Por entre o arrastar de cadeiras e vozes expectantes do final de dia, o prof. Leite adia a discussão para a próxima aula, “Quero também que me escrevam um pequeno parágrafo sobre a ‘felicidade’.”
Com a saída do último jovem, a sala transpira dos mais variados odores. Sem pressa, António Leite, deita um olhar sereno ao exterior. Dali a visão é ampla. De várias partes do edifício, saem jovens — adultos em projeto num estágio ignoto —, caminham desordenadamente sem, no entanto, criarem o caos. “Parecem cigarras com aspiração a formigas”, pensa ele. “Nada sabeis.”, murmura, “Nem Saramago, quanto mais vós!”, o sol poente anuncia o fim do dia. “Que satisfação é ao parir uma nova ideia, mas não passa disso mesmo: uma ilusão. E o destino não foge a essa condenação.”
Fica
Os teus dedos passeiam, preguiçosos, no meu peito, entre um e o outro mamilo, insinuando uma curva mais pronunciada nessa onda corporal onde te deixas elevar.
Ergues os olhos, desafiante, de encontro aos meus.
Aguardas uma palmada minha nessa mão travessa, mas só porque vejo esse desejo estampado a ferro e fogo nos teus olhos, não a levas.
Rio uma gargalhada inesperada com o teu amuo.
Sinto um prazer terrível em te contrariar. É esta a constante mais vincada entre nós: esta ambivalência que rege o que sinto por ti — não só te prezo como a mais ninguém; não só te amo, de facto, como a mais ninguém; como ao mesmo tempo me apetece castigar-te.
És, ao mesmo tempo, o antídoto e o veneno que me administras.
E é com esta legitimidade que te castigo.
Levanto-me para sair. Regozijo-me na dor do teu olhar. Beijando, de seguida, cada pálpebra antes de partir.
Contudo — e isto nunca to darei a entender —, não saberei o que irei sentir se, amanhã, me pedires “Vai…” em vez de “Fica.”
Reencontro
A mesa do canto, com vista para o rio, presenciou, em silêncio, o amor deles crescer.
O primeiro a chegar trazia uma pedra que colocava no parapeito.
O outro levava-a.
Desenharam sonhos na ardósia negra dos seus dias. Elaboraram conquistas de mundos que não os seus.
Até que a chuva caiu mais forte e apagou todos os escritos.
Nesse dia fora ele o primeiro a chegar, mas em vez da presença dela, uma nota breve, despida de calor: “Esquece-me. Esquece tudo o que se passou entre nós”
Ela poderia ter adicionado “Já nada me dizes”, mas não acredita que seja preciso a mentira para que a vida se faça à estrada.
Há desígnios que se nos escapam à compreensão; nem nos damos ao trabalho de perceber porquê.
Uma vida depois — nunca até ali tinha ultrapassado fronteiras —, decide que é a altura certa para o fazer. O vento de verão incita-o a percorrer a costa até Marselha. Evita o reboliço citadino e acosta-se numa pequena vila piscatória.
Sente-se renovar enquanto caminha, a passo leve, pela calçada enrugada de séculos.
Pousou um olhar descuidado numa vitrine que anuncia uma exposição artística.
O som que ouve convida-o a entrar.
When she comes to greet me
She is mercy at my feet
And I, I see her inner charm
She just throws it back at me
Há fantasmas que insistem em regressar.
Ali, à sua frente, renasce aquele rosto de tantas águas passadas.
Ela encara-o com muito menos espanto.
Ocorreu-lhe exigir dela uma resposta, mas depressa se calou quando viu o colar que ela trazia ao pescoço: a pedra alva, que julgava ter sido abandonada, pende, segura, no peito dela.
2ª
Tal revelação desorientou-a.
— Não achas demasiado precoce? — retorquiu de sorriso meigo a bailar nos olhos.
O amor espreita, ela contraria, mas ele cala-a, colocando um dedo sobre os lábios dela. Sente o ardor daqueles lábios escalar sob a sua pele. Sem se aperceberem, a distância entre os corpos diminui em proporção inversa ao aumento do prazer, tal como uma balança de braços necessita do contrapeso para se obter a medida exata e pretendida.
O indicador desliza agora pelo queixo, arrastando consigo o lábio inferior.
Um gesto que, inconscientemente, a faz gemer, e conscientemente, o convida ao vôo de um beijo que dissipa a precocidade.
[Correm as cortinas. Delírio na plateia.]
Os acordes duma canção ouvem-se por entre conversas animadas no salão.
José aproxima-se do bar. Pede um whiskey, sem gelo. Olha à volta com olhar treinado, desanima com o que vê, pega no copo, e sai para a varanda.
— Aha! Sabia que te ía encontrar aqui! Sempre o mesmo lobo solitário! — uma palmada nas costas e a voz conhecida fazem-no virar a cabeça.
— Olá Carlos — José sorriu perante a jovialidade do amigo — que achaste da peça?
— Estupenda! Existe magia quando contracenas com ela — continua Carlos, efusivamente, enquanto elogia os detalhes que mais o marcaram.
Entre uma baforada mais longa do cigarro que lhe tolda a visão, semicerra os olhos, vê-a entrar.
Só.
A voz do amigo dissipa-se, e a sua mente é inundada pela presença daquela mulher.
[Há olhares mal cruzados. Há uma ferida por expirar]
— Perdoa-me, Carlos — apressou as palavras enquanto apaga o cigarro, dobrando-o em si mesmo.
Atravessa o salão sopesando os passos em direcção a ela. Agora sem medo nem guião. Os seus papeis: uma incógnita.
Estende-lhe a mão e:
— Dança comigo.
Quando chegaste
Parti porque o meu amor por ti não se mede com presenças banais.
Acredita, não foi uma escolha fácil, o meu partir. Aliás, pensando bem, nem tampouco difícil o foi. Foi tão simplesmente o curso que a minha vida - a nossa vida - teve de tomar a partir daquele dia. Um dia gélido, mas de um brilho mordaz, do mês de Março, de um ano que provou ser, inquestionavelmente, esmagador.
Naquele dia partiram também todos os fantasmas noturnos acumulados na fileira dos meus dias. Nunca saberás a leveza que me passaste a proporcionar.
Creio fortemente que há alturas na vida em que não temos escolha a tomar. Chamo a isso: seleção natural.
Sao como que escolhas personificadas. São tão palpáveis, e independentes de nós, que têm vida própria, e, são elas que nos gerem. Não o oposto.
Quando chegaste, trouxeste contigo toda uma trouxa de incógnitas, de perguntas para as quais, até àquela data, eu nunca senti necessidade de encontrar resposta.
Quão ignorante me senti!
No entanto, e sem que uma única palavra fosse proferida entre nós, aquele teu primeiro sorriso, só meu, garantiu-me a segurança que eu precisava sentir.
O tempo tem galgado feroz desde que parti - uma verdadeira montanha russa, de miríades de emoções, com os seus devidos altos e baixos, sempre prontamente transpostos, com os pés nem sempre bem assentes no chão, mas nunca sem perdermos o ponto de convergência.
Contudo, vai chegando, silencioso, aquele ardor contra o qual nada podemos, em que só ele ordena, e sinto-me na hora de regressar para que tu possas partir.
Quando chegaste, minha filha, deste-me à luz.
segunda-feira, abril 21, 2008
Pequeno apontamento meteorológico:
Hoje, a temperatura máxima vai subir até aos 25ºC, contudo ainda tenho no quintal uma camada de neve, uns bons centimetros acima de solo.
Tempos estranhos, estes.
Estranhos e curtos.
Não tenho tido tempo absolutamente nenhum de vir até aqui.
Perdoe-me quem aqui entra à espera de linhas novas.
sexta-feira, março 21, 2008
A conversa enfiou-se na escrita - já não me lembro onde começou -, e, vai dum lado, vai do outro que nem jogadoras de ping-pong, ela desafia-me para um duelo. Escrito.
Trouxe o mote e tudo. Alone in the dark, um pequeno parágrafo de umas duzentas palavras, por aí.
Talvez tenha aparecido imbuído no clima de hoje, em que me lembrei de lhes oferecer algo de especial e diferente, mas ao mesmo tempo nada fora do normal nos dias que correm. Para evitar de ter folhas soltas de contos e desenhos perdidos pelos quatro cantos da casa, aproveitei um dos nicks virtuais da mais velha e montei-lhes a casa. Agora... é só esperar que ela cresça.